terça-feira, 8 de dezembro de 2009

A MALA RÁPIDA DO SENHOR PARADO


RUI ALMEIDA PAIVA

Nascido pela primeira vez em 1977, crê-se que o autor preserva carinhosamente a sua rotina. As primeiras vinte e três horas do dia, passa-as a fugir. A esconder-me, esta seria a expressão mais acertada, dir-nos-ia. E a hora que te resta, perguntou-lhe uma vez uma criança atenta, como a utilizas?
Essa hora é dedicada exclusivamente ao espanto. Por exemplo, hoje espantei-me dentro de uma paisagem, após ter aberto a janela de uma varanda. Nessa altura, nessa hora nasço sempre uma vez mais. O mais incrível (e é algo que tenho esperança de vir a decifrar) é que quando o meu nascimento diário termina, acabo sempre por ser atraído até à minha mão esquerda, onde se move uma inquieta caneta de produzir histórias.
A MALA RÁPIDA DO SENHOR PARADO foi o fruto de um dos seus Espantos, que lhe valeu o Prémio Revelação da Associação Portuguesa de Escritores e a Menção Honrosa do Prémio Branquinho da Fonseca – Gulbenkian/Jornal Expresso, em 2005.

A MALA RÁPIDA DO SENHOR PARADO

Para o senhor Parado só seria possível dar um belo passeio por outros países se permanecesse imóvel. Sentado a vida inteira num banco de uma estação de comboios, raramente duvidava dos seus aventureiros impulsos estáticos.Por vezes até se justificava: “Por que razão me haveria de dar ao trabalho de correr povoações da frente para trás, de alto a baixo, se eles (os países), e em último caso o mundo inteirinho, acabam sempre por vir aqui ter comigo?” Contudo um estranho pensamento surgiu-lhe dentro da cabeça. Será este pensamento suficientemente incómodo para que o senhor Parado decida levantar-se pela primeira vez?

Havia um homem neste mundo que nunca tinha feito as malas para viajar. Chamava-se senhor Parado e vivia numa estação de comboios. Este senhor tinha algumas particularidades: era magro e pequeno se o observássemos pela janela de um avião. E era gordo e alto se o víssemos através do chão.
O senhor Parado tinha como profissão viajar pouco com os pés e viajar muito com a cabeça na Lua. De cada vez que o senhor Parado via uma mala de viagem a passar de comboio para comboio, pensava no que poderia descobrir se a abrisse e imaginava que lá dentro só se encontravam objectos resistentes, objectos capazes de percorrer muitos quilómetros
.”